A análise fragmentada de projetos: um obstáculo ao capitalismo de stakeholder (Parte 1)

February 23, 2024

Imagine uma região litorânea, com a economia baseada no turismo e na pesca artesanal, com alta relevância ambiental e grandes problemas sociais. Agora imagine essa região recebendo a notícia da instalação de um grande porto. Obviamente esse porto contará com um novo complexo rodoviário e provavelmente uma nova linha férrea. Linhas de transmissão e uma subestação para a transformação da energia necessária para tocar o novo estaleiro que pretende se instalar na área de retroporto. Dada a estrutura logística instalada, várias outras indústrias potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais também planejam se instalar nos arredores do porto.

Imaginou? Pois bem, isso é, foi, pode ser ou será uma realidade em muitas das cidades litorâneas brasileiras e é uma representação do dilema do crescimento econômico versus conservação ambiental em que a sociedade moderna se encontra. Dilema que, na verdade, nem deveria existir. Mas hoje existe.

Um dos maiores desafios do licenciamento ambiental, um instrumento formidável de gestão de interesses, reside em desvendar como a instalação colocalizada (no tempo e no espaço) de vários empreendimentos de infraestrutura impacta a transformação social e ambiental de uma região. Essa complexa interconexão exige uma análise profunda e holística, que considere não apenas os efeitos diretos dos projetos, mas também suas repercussões indiretas e cumulativas sobre as comunidades e o meio ambiente local.

A atual forma de análise segregada dos projetos, em processos independentes de licenciamento ambiental e baseada exclusivamente na Avaliação de Impacto Ambiental – AIA de projetos (os conhecidos EIA/RIMAs), compromete a identificação, bem como a devida mitigação dos impactos negativos e maximização dos efeitos positivos, gerando, apesar dos benefícios à infraestrutura nacional, via de regra, prejuízos ambientais, sociais e certamente econômicos nas regiões onde são instalados.

Compreendendo as nuances da colocalização:

  • Sinergias e conflitos: A colocalização pode gerar sinergias positivas, como a otimização de recursos e infraestrutura, mas também pode levar a conflitos por recursos naturais, espaço e mão de obra.
  • Efeitos socioeconômicos: A instalação de grandes projetos pode gerar renda e emprego, mas também pode provocar impactos negativos, como a concentração de desempregados no pós-obras de instalação, o aumento do custo de vida, desequilibrios econômicos regionais e a desvalorização de atividades tradicionais e do turismo.
  • Impactos ambientais: Os projetos podem gerar impactos cumulativos sobre a qualidade do ar, da água e do solo, além de testar a resiliência da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Embora tais projetos tragam benefícios à infraestrutura nacional, a análise compartimentalizada gera, como regra geral, prejuízos socioambientais nas localidades onde são implantados. Eu geralmente me refiro a esse fenômeno como “Imposição de Escala”, onde os interesses nacionais prevalecem sobre os interesses locais. Essa situação evidencia a necessidade de uma mudança paradigmática na forma como os projetos são avaliados e sugerem a inclusão de novos instrumentos de avaliação (como a Avaliação Ambiental Estratégica – AEE e a Avaliação de Impactos Cumulativos – AIC) e a priorização de análises abrangentes e integradas que abarquem os diversos aspectos socioambientais e seus inter-relacionamentos.

O capitalismo de stakeholder enfatiza a necessidade de levar em conta todos os envolvidos nas decisões estratégicas, superando a simples busca pelo aumento dos lucros dos acionistas. Esta estratégia procura harmonizar os interesses de clientes, funcionários, fornecedores, comunidades e meio ambiente nos investimentos. É impossível ignorar a responsabilidade dos investidores sobre as consequências (boas e ruins) geradas pelos megaprojetos, e aprimorar a eficácia dos mecanismos de gestão desses efeitos deve ser um compromisso coletivo. Não se manifestar, por exemplo, em relação ao PL 2159/2021, que representa um enorme retrocesso para o licenciamento ambiental, pode ser um erro grande demais para um sistema que pretende adotar a sustentabilidade como seu eixo central.

Em breve, apresentarei propostas de melhorias e sugestões de ações, fruto de duas décadas de experiência neste campo. Importante ressaltar que, mesmo diante de críticas severas, o objetivo é sempre enaltecer o processo de licenciamento, reconhecendo suas limitações e enfatizando seus benefícios, sempre com a convicção de que, apesar das dificuldades enfrentadas, sem ele, os danos seriam substancialmente maiores.

Por favor, compartilhem suas opiniões.

Bora conversar!

Leonardo Teixeira

Leonardo Teixeira

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