Desmistificando a Relação entre Desenvolvimento Econômico e Desmatamento

May 27, 2024

com colaboração de Leonardo Teixeira.

Recentemente, tenho me deparado com diversos debates e artigos sobre a Lei Antidesmatamento da UE e seu impacto no Brasil, com argumentos tanto contrários quanto favoráveis. Um dos pontos frequentemente levantados é a ideia de que o desenvolvimento econômico está intrinsecamente ligado ao desmatamento. Outro ponto é que o Brasil tem X% (isso mesmo, “xis por cento”, é uma variável, de acordo com a ideologia) de áreas protegidas e isso seria o suficiente para nos salvaguardar. Estaríamos muito além de onde a Europa está tentando chegar, a meta deles já é uma realidade em terras Tupiniquins. Um ponto chave que chama a atenção em algumas manifestações é o de que países desenvolvidos querem manter a pobreza naqueles em desenvolvimento.

Desenvolvimento?

Um estudo que conduzi em 25 municípios da Amazônia entre 2012 e 2021 lança luz sobre essa visão de que a União Europeia e suas exigências mercadológicas pode fomentar a pobreza em vários países. Primeiro, devemos rejeitar a ideia simplista de que o desmatamento inevitavelmente leva ao desenvolvimento econômico. A análise do Índice de Gini dos municípios do estudo demonstra a desigualdade na distribuição de renda, o que torna fácil desvincular o argumento de que as medidas adotadas pela UE vão catalisar qualquer movimento sobre os já vulneráveis.

Ao analisar os dados do Programa Bolsa Família, ficou constatado que não existe uma relação direta entre o percentual desmatado nos municípios estudados e o número de famílias beneficiárias. Nem aumenta, nem diminui. Isso desafia a ideia de que o desenvolvimento econômico é uma consequência inevitável do desmatamento, bem como refuta a ideia de que não desmatar vai manter ou aumentar os índices de vulnerabilidade.

Além disso, ao examinar as classes consideradas vulneráveis, como famílias indígenas, agricultores familiares e assentados, fica claro que esses grupos são apenas tratados como tal, embora, por definição, deveriam ser considerados sustentáveis. Isso levanta questões sobre a classificação e o apoio a essas comunidades, bem como sobre as políticas públicas ambientais e econômicas necessárias para esses grupos.

Uma Abordagem Integrada é Necessária

A análise integrada de indicadores de sustentabilidade em diferentes áreas – ambiental, social, econômica e institucional – é essencial para compreender as dinâmicas do desmatamento. Somente com um olhar abrangente podemos direcionar políticas públicas eficazes e defender uma posição democrática sobre a produção do país.

Como resultado da pesquisa, analisei a produção em áreas ilegais, utilizando dados da Abiove e moratória da soja. Há locais com mais de 30% dos grãos produzidos em áreas de desmate ilegal, independente do recorte do Código Florestal (2008) ou da União Europeia (2020). Fica fácil refutar argumentos genéricos sobre termos áreas protegidas o suficiente. Devemos basear nossas decisões em ciência, dados e, principalmente, na realidade para negociarmos em bases sólidas os termos do acordo Mercosul x UE. Além de incorretos, os argumentos apresentados defendem o indefensável e agravam o problema.

Repensando Políticas para um Futuro Justo e Sustentável

O produtor precisa defender sua propriedade, pois é sua responsabilidade. Se cada um cuidar do seu espaço, a situação pode mudar. Saindo da escala privada, passamos inevitavelmente pelo recorte geográfico dos Municípios. Há aqueles que estão em conformidade com o que se espera de conservação e proteção ambiental, e há outros que permitiram o desmatamento até dentro de Terras Indígenas. Sem fazer esse recorte, defender o discurso de que temos áreas protegidas o suficiente atende ao interesse de quem? Somente daqueles que produzem em áreas desmatadas ilegalmente! Eles usarão da antiquíssima estratégia (porém ainda em prática) de não contabilizar os custos sociais e ambientais de produção para baixar o preço de produção, garantindo lucros maiores, mais concentrados e irreais numa economia moderna (como a europeia). A clássica definição de externalidade do processo, com o agravante da ilegalidade de boa parte dessa lógica.

O que se tem claro é que está (mais do que) na hora de repensar nossas políticas ambientais e econômicas, garantindo que o crescimento econômico esteja alinhado com a conservação ambiental e o bem-estar das comunidades locais. Um olhar integrado, não enviesado. Desde valorizar serviços ambientais e serviços ecossistêmicos como um caminho, até às práticas agrícolas tecnológicas já em curso que garantem aumento de produtividade, sem que haja maior pressão sobre os recursos naturais.

Conforme avançamos nesse debate, é fundamental lembrar o óbvio, que a conservação ambiental não é um obstáculo ao desenvolvimento, assim como o desmatamento não é um indutor de melhorias econômicas e muito menos de justiça social. Devemos buscar soluções que promovam o equilíbrio entre o crescimento econômico e a conservação ambiental, e esse debate envolve a todos.

Hugo Schaedler

Hugo Schaedler

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